segunda-feira, 12 de maio de 2008

Estilo: entre a marca da reprodutividade técnica e a busca da individualidade

O estilo para Adorno não seria mais do que uma padronização, a fôrma da linha de produção da indústria cultural, e não é difícil com ele concordar ao vermos quantos Romeros Britos existem pelo mundo, qual máquinas, estampando os mais variados produtos, de latas de panetones a paredes de hospital.
Se nos contrapormos a reificação do artista, precisamos retomar a questão e talvez Bauman nos dê algum subsídio. Para ele a busca pela individualidade - tão aclamada em uma sociedade individualista - seria um processo dialético: enquanto a pessoa procura seu traço de unicidade não pode perder de vista o que a liga ao grupo de referência. Neste contexto o estilo poderia ser o resultado, ou processo, dado que há muitos estilos de transição, desta auto-definição.
A hermeticidade de um artista se poderia explicar, então, por sua inclinação à busca do pessoal, enquanto o excesso de aderência ao público-consumidor, que muitas vezes se converte na sensação do lugar-comum (não importa o que Romero Brito considere importante retratar, isso sempre ficará esquecido no meio das cores fortes, contornos pretos e recortes já conhecidos) representaria o contrário, o medo de não ser reconhecido como único.
Mas e se as duas linhas de pensamento se misturarem? Se o estilo for mesmo uma etiqueta da indústria cultural, marcar um segmento de mercado, mas nem por isso excluir de seu universo a busca pela individualidade, ou melhor, uma "ficção de busca", que seria uma das forças que impulsiona esse sistema. De modo que o artista julga procurar seu estilo, consciente da empreitada ou não, mas não consegue fugir muito do que o público está apto a ouvir e chancelar em um determinado momento histórico, em um processo de retroalimentação de informações e mercadorias, e aquele que não é bem sucedido dentro dessa teoria pode se ver preso, seja fora do tempo, até chegar a época em que ele possa ser compreendido, ou dentro de si.

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sábado, 5 de abril de 2008

sem estranhar

Eu poderia falar sobre a vontade de jogar a pedra, novamente brincar com as crianças, e a perda da vontade, da percepção diferente em que há o mar, um todo a ser visto, e essa pedrinha insignificante e meio suja, suspensa por uma mão desdenhosa e enojada, que no ápice do ato é impedida de se juntar aquele todo, formado por possibilidades, em que se perderam tantas... e essa percepção dos olhos de um adulto, sob risadas de incompreensão daquelas crianças, que não possuem essa visão, para quem uma pedra é uma pedra, o mar é o mar, e o máximo que se pode fazer é brincar com ambos, ou talvez, hipótese mais aterradora, para quem ser arremessado nesse todo, sem qualquer reflexão ou distinção, é um fato natural, destino inexorável, verdade absoluta, certeza inconsciente. Eu poderia falar sobre tudo isso, mas Antoine me alerta para não colocar estranheza onde não existe nada e eu me calo.

[reflexão ligeira, pós-"Náusea", Sartre]

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a velhidade

Marina Colassanti escreveu sobre uma senhora que decide prender os cabelos em um coque e nunca mais lavá-los. Os anos passam a ser percebidos com o volume do coque que aumenta, até que um dia uma enfermeira lava seu cabelo e tudo que a mulher mais temia acontece: suas lembranças, agora soltas, fogem ralo abaixo, liquefeitas.

Lembro desse conto pois é meio assim que me sinto, como se as
idéias estivessem fugindo a cada banho. Preciso retê-las. A questão não é escrever, mas simplesmente não deixar passar, irrefletidas e esquecidas, algumas coisas importantes, [ter a impressão de] controlar o fluxo das coisas.

Todo blog nasce com data de validade, desconhecida, e propósitos, nem sempre seguidos, e com esse não será diferente: ele vai acabar, mas até lá pretendo voltar a
refletir sobre algumas leituras, situações, idéias soltas, desenferrujar minha escrita e, quem sabe, ter mais contato com algumas pessoas queridas.

Começo um novo blog pois o antigo já não pertence mais a mim.
Aliás, é o contrário.